Biosphoto via AFP/Valter Bernadeschi
19 Jan 2024 Reportagem Nature Action

No Butão, o tigre-de-bengala, ameaçado de extinção, está de volta

Durante quase um ano, centenas de pesquisadores se espalharam pelo Butão com um objetivo em mente: encontrar exemplos vivos do tigre-real-de-bengala, ameaçado de extinção. Foi uma enorme expedição científica que os levou a pesquisar mais de 26 mil quilômetros quadrados de território, ou dois terços do país.

Quando os pesquisadores voltaram e tabularam seus números no ano passado, ficaram muito felizes.

O Butão, descobriu-se, era o lar de 131 tigres-de-bengala, um salto de 27% em relação a 2015.

A pesquisa foi realizada com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e foi bem recebida por conservacionistas, que viram o número de tigres selvagens em todo o mundo despencar nas últimas décadas.

O tigre é um dos maiores carnívoros do mundo. Pode pesar mais de 300 quilos e atingir até 3,3 metros de comprimento. Esse grande felino já percorreu a Ásia, desde a costa oriental da Rússia até o Mar Cáspio.

Contudo, desde o início do século 20, estima-se que 97% dos tigres selvagens do mundo foram perdidos. Atualmente, há cerca de 4.500 remanescentes na natureza em toda a Ásia, tornando o tigre uma espécie ameaçada de extinção. O tigre-real-de-bengala é a subespécie de tigre mais numerosa, constituindo cerca de metade da população selvagem.

Os tigres não são os únicos animais que enfrentam um futuro incerto. A biodiversidade está se deteriorando em todo o mundo em um ritmo sem precedentes na história da humanidade. Cerca de 1 milhão de espécies estão sendo empurradas para a extinção, e 25% dos grupos de plantas e animais estão ameaçados.

O Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, adotado em 2022, visa travar esse declínio por meio de um conjunto de quatro objetivos, compostos por 23 metas a serem atingidas até 2030.

A village surrounded by mountains.
A mudança climática está forçando os tigres a se aproximarem dos vilarejos do Butão, fomentando conflitos entre as pessoas e os grandes felinos. Foto: Robert Harding via AFP/Lynn Gail

Essas metas incluem 30% de conservação da terra, do mar e das águas interiores, 30% de restauração de ecossistemas degradados e redução pela metade da introdução de espécies invasoras.

Espera-se que a implementação do marco seja um tópico primordial de discussão quando os líderes se reunirem no próximo mês para a sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6), o principal órgão de tomada de decisão do mundo sobre questões ambientais.

"A extinção do tigre-de-bengala-real seria uma tragédia não apenas por causa de sua beleza impressionante e significado cultural. Perder essas criaturas magníficas perturbaria o ecossistema e a biodiversidade finamente equilibrados da região que prosperou por milênios."

Espaço para se movimentar

Como um dos maiores carnívoros do mundo, os tigres precisam de vastas extensões de floresta e pastagens para vagar, caçar e se reproduzir. O Butão é um habitat particularmente importante. Ele fornece uma ligação entre as populações de tigres no Nepal e no nordeste da Índia, ajudando a manter a diversidade genética forte.

No entanto, o crescimento da população humana em toda a Ásia e o desenvolvimento em expansão resultaram em um habitat de tigre cada vez menor, ameaçando a sobrevivência do felino.

Um predador de topo, os tigres desempenham um papel importante na manutenção de ecossistemas diversos e saudáveis. Eles mantêm sob controle mamíferos de cascos silvestres, como porcos e veados da espécie Sambar, o que preserva a vegetação.

"A extinção do tigre-real-de-bengala seria uma tragédia, não apenas por causa de sua beleza impressionante e significado cultural", diz Doreen Lynn Robinson, responsável pela unidade de Biodiversidade e Terras do PNUMA.

"Perder essas criaturas magníficas perturbaria o ecossistema e a biodiversidade finamente equilibrados de uma região que prosperou por milênios."

A tiger marches through tall grass
Como um predador de topo, os tigres mantêm os cervos, porcos selvagens e outros ungulados sob controle, ajudando a proteger a vegetação do Butão. Foto: Biosphoto via AFP/Slyvain Cordier

Conflito entre humanos e tigres

A extração comercial de madeira, a expansão agrícola e outros desenvolvimentos consumiram as pastagens da Ásia, resultando em menos alimento para os mamíferos selvagens dos quais os tigres são predadores. À medida que essas presas se aproximam das comunidades e de suas plantações para refeições fáceis, os tigres também estão se aventurando mais perto das aldeias para encontrar comida.

Desde 2016, centenas de bovinos no Butão foram mortos por tigres, causando dificuldades econômicas para agricultores e moradores de subsistência. "O conflito entre humanos e tigres tem aumentado, afetando moradores de várias regiões do país", diz Tashi Dhendup, responsável pelo Centro de Tigres do Butão. "Embora os tigres estejam prosperando, eles parecem exibir uma dependência significativa do gado."

As mudanças climáticas também estão colocando os tigres em perigo. O Butão é fortemente afetado pelo aquecimento do planeta, como outros países montanhosos na região de Hindu Kush-Himalaya.

À medida que as temperaturas médias aumentam, as geleiras no norte do país estão recuando e ondas de calor, incêndios florestais e secas estão se espalhando. Isso está forçando os tigres a se aproximarem dos assentamentos humanos para encontrar presas e água.

Por meio do programa Vanishing Treasures, o PNUMA está apoiando a conservação de tigres e ajudando a melhorar o bem-estar das pessoas que vivem próximas aos grandes felinos. Esse trabalho está sendo feito em conjunto com o Centro do Tigre do Butão e o Departamento de Serviços Florestais e de Parques, do Governo Real do Butão.

O programa ajudou os moradores a criarem pastagens comunitárias cercadas por cercas elétricas movidas a energia solar para proteger o gado de ataques de tigres. A cerca também protege as plantações de porcos selvagens, que podem acabar com campos inteiros e atrair tigres.

O programa Vanishing Treasures é financiado pelo Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo. Também se concentrou na restauração de pastagens, que abrigam muitos mamíferos dos quais os tigres são predadores. Desde 2019, cerca de 93 hectares de pastagens foram restaurados, resultando em melhores áreas de caça para tigres e reduzindo os conflitos entre humanos e tigres.

Camera trap image
Uma armadilha fotográfica capturou essa imagem de um dos trigres-reais-de-bengala raramente vistos no Butão, os quais estão estão pressionados pelas mudanças climáticas e pela perda de habitat. Foto: PNUMA

Por meio do programa Vanishing Treasures, pesquisadores também instalaram armadilhas fotográficas no Butão. Escondidas discretamente em florestas e em outros habitats, as armadilhas capturaram imagens raramente vistas de tigres na natureza. Isso ajudou pesquisadores e guardas florestais a identificar animais individuais, estimar o tamanho das populações e entender melhor como os tigres usam a paisagem.

"O projeto Vanishing Treasures desempenhou um papel fundamental na abordagem de alguns dos desafios que encontramos na conservação de tigres", diz Dhendup. "Os insights que estamos obtendo com esse projeto [...] estão se mostrando fundamentais para o avanço do nosso objetivo de promover uma convivência harmoniosa entre nossas comunidades e esses magníficos grandes felinos."

O programa Vanishing Treasures está trabalhando com o Bhutan Tiger Center para usar a amostragem de fezes ou amostragem de gotas fecais para realizar uma análise genética das populações de tigres. As informações coletadas nessa pesquisa provaram ser vitais para mapear habitats de tigres, mapear a diversidade genética e entender as mudanças na paisagem causadas pela perda da natureza e pelas mudanças climáticas. Os dados contribuíram para a recente pesquisa nacional de tigres do Butão.

"Com nossos parceiros no programa Vanishing Treasures, o PNUMA está trabalhando não apenas para diminuir os impactos das mudanças climáticas nas populações de tigres, mas também para ajudar as comunidades a encontrar soluções para o conflito entre humanos e tigres e fortalecer sua resiliência às mudanças climáticas", diz Robinson, do PNUMA.

 

A sexta sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA-6) será realizada de 26 de fevereiro a 1º de março de 2024 na sede do PNUMA em Nairóbi, no Quênia, sob o tema: “Ações multilaterais efetivas, inclusivas e sustentáveis para combater as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição”. Por meio de suas resoluções e chamadas à ação, a Assembleia fornece liderança e catalisa a ação intergovernamental sobre o meio ambiente.

O programa Vanishing Treasures do PNUMA, financiado pelo Governo do Grão-Ducado do Luxemburgo, visa gerar a máxima sinergia entre a adaptação às mudanças climáticas e a conservação da biodiversidade, melhorando a capacidade adaptativa dos ecossistemas de montanha, mantendo os serviços ecossistêmicos relacionados, protegendo espécies emblemáticas das montanhas que são fundamentais para o funcionamento dos ecossistemas e promovendo meios de subsistência alternativos para as comunidades locais. No Butão, o programa Vanishing Treasure é implementado pelo Bhutan Tiger Center em parceria com a EURAC Research, a Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida, Viena, e a GRID-Arendal.